DACIANO DA COSTA

DACIANO DA COSTA

 


ATELIER DACIANO DA COSTA  “Da Obra às Reedições”


 

Inês Cottinelli 

 

Daciano da Costa e o seu universo criativo revivem no novo Atelier implementado pelas mãos de uma das suas cinco filhas, Inês Cottinelli. Esta é a síntese e testemunho plenos da intemporalidade da sua obra e da sua constante actualização às novas realidades da cultura material, tal como sempre idealizou o “Mestre” do Design em Portugal.

por Paulo Piteira

 

Inês Cottinelli 

Quando perguntámos a Inês Cottinelli qual a peça desenhada pelo seu pai, Daciano da Costa (1930–2005), que melhor exemplifica o seu espírito e visão em relação ao papel do design, a sua resposta recai, imediatamente, sobre a Cadeira Alvor. A evolução da Cadeira Alvor através de várias versões: em projectos da autoria de Daciano,  (projectos: Hotel Alvor Praia – 1966 e Barclays – 1996), em projectos de outros profissionais, como o arquitecto holandês Rem Koolhaas (projecto: Casa da Música, acompanhado por Daciano em 2004) e no tempo presente, nas reedições feitas pelo Atelier Daciano da Costa, testemunha, exemplarmente, a eternidade do desenho de Daciano. Ou seja, o design e criação original de um objecto, neste caso a cadeira Alvor, pretende-se perdurável e adaptável a vários espaços, numa versatilidade dentro da mesma  “família de formas”, que atravessa não só vários projectos mas, também, gerações até aos dias de hoje, pelas mãos de vários profissionais e intervenientes.

 

 

É este o objectivo da criação pelo design: “a fruição plena do objecto”, que combina em si duas facetas: “o familiar e o inesperado” (o “familiar” na nossa percepção imediata de que objecto se trata e a sua inserção na linhagem histórica do mesmo e o “inesperado” nos subtis detalhes formais e nos materiais pensados por Daciano). Esta fruição é feita, segundo Daciano, através das várias dimensões sensoriais que nos fazem sentir o espaço e os objectos. Refere que o ex-libris desta experiência é a Fundação Calouste Gulbenkian (projecto de interiores e mobiliário de Daciano em 1966) no modo perfeito como o jardim, o edifício, os interiores, o mobiliário e os objectos se unem numa simbiose e plenitude de formas e elementos em harmonia. Desafio ao leitor: da próxima vez que for à Fundação e Museu Calouste Gulbenkian, analise que sensação tem ao observar, entrar e viver esse espaço!?! Que “relação afectiva e sensorial” estabelece com o espaço e objectos que o compõem??

 

Linha Pedra Estremoz 

Em inúmeras entrevistas ouvimos, por diversas vezes, a expressão: “Mas o Daciano da Costa não vê as coisas como todos nós vemos!” e, concluímos, que, realmente, não. A sua genialidade advém de um olhar transdisciplinar em relação ao que o rodeia e a forma como pretende que o espaço interaja com as formas e as formas com o espaço.

E, por último, como deseja que a fruição final dessas duas dimensões aconteça. Parece-nos que Daciano via e concebia, literalmente, os seus projectos e objectos como ecossistemas, nos quais o diálogo entre as formas é feito como que se de um puzzle perfeito se tratasse, onde tudo ocupa um lugar preciso. Tudo é projectado para ocupar uma posição perfeita. As suas criações contêm a exímia concepção de detalhes que, por vezes, só são perceptíveis com o toque e que, ainda hoje, alcançam um efeito surpresa em relação a estes objectos tão 65 particulares. Particulares, mas triviais já que, como refere, “o trivial é o campo do designer”, numa acepção que coloca o design em antagonismo à arte ou à pintura (na qual se formou) com uma valência de dever ético e de servir a humanidade. Quando Daciano diz que o Design tem de ter a capacidade de conceber “desde a catedral à vassoura” confere esta mestria no trabalho e desenho da sequência e evolução das formas, suas dimensões e o usufruto das mesmas, pela escala humana.

 

Cerâmicas Palace – jarras e cinzeiro

Posto isto, e em visita ao Atelier Daciano da Costa, o estatuto de “Pai do Design Português” é, naturalmente, a designação que o assiste, embora o recusasse, já que esta visão, revolução e inserção da disciplina em universo académico deveu-se à interação de Daciano com os seus pares como José Maria Cruz de Carvalho, José Espinho, António
Garcia, Carmo Valente ou Maria Helena Matos que, em conjunto com Daciano, interpretaram “com bravura” este conhecimento, a sua aplicabilidade e o profissionalizaram. O trabalho de uma equipa multi e transdisciplinar é fundamental para o desenho do que quer que seja e para o final pleno da fruição dessa mesma criação. Abarcando aqui
a arquitectura e as diversas acepções da disciplina do design, seja industrial, interiores, equipamento, mobiliário, objectos ou gráfico. Em todas estas valências, Daciano, assinou criações.

Cadeiras Alvor – Hotel Alvor Praia 1966 – Barclays 1996 e Casa da Musica 2004

Daciano da Costa formou-se em pintura e refira-se que os seus desenhos de adolescente, as suas pinturas e os seus livros de viagens (tudo materiais a serem reeditados pelo Atelier no momento presente) revelam a sua mestria através da ferramenta e do processo que considera fundamentais: a mão e o desenho. Conclui que a dinâmica solitária da pintura e o seu propósito, o das belas-artes, é antagónico ao que considera válido: o processo de design e a sua intervenção na sociedade. Em 1959 abre o seu atelier/escola dando início a uma carreira tão complexa, plena e excepcional como o próprio Daciano. A sua efervescência, entusiamo, a sua “sede”, avidez, criatividade, teatralidade e alegria na vida social e rigor austero na sua vida profissional rapidamente abriram portas para uma série infindável de obras públicas e semi-públicas de referência nacional e internacional. O segredo reside na sua concepção das dimensões físicas e não físicas do espaço e dos objectos e na forma como todos os elementos formam um todo.

Inês Cottinelli reestrutura a Sociedade Daciano da Costa em 2013 e em 2019 abre as portas do “Atelier Daciano da Costa”, na Rua Arriaga, número 2, em Lisboa. Este espaço reúne o espólio de Daciano, desde os seus desenhos profissionais e pessoais, pintura, as criações originais, protótipos e, agora, as reedições das obras, num convite à sua integração, pela primeira vez, nos espaços domésticos. Da obra do pai, Inês escolheu objectos e peças de mobiliário que dão origem a linhas reeditadas, com os nomes dos projectos originais aos quais se destinaram. Este trabalho de reedição do design de autor é completamente inédito em Portugal. O Atelier tem a missão de homenagear, preservar, organizar e comunicar o trabalho de Daciano e tornar acessível ao público final, pela primeira vez, a vasta gama das suas criações. No fundo, este Atelier é, na sua filosofia, uma sequela natural da grande exposição retrospectiva de Daciano da Costa na Fundação Calouste Gulbenkian em 2001, “Daciano da Costa. Designer”, comissariada por João Paulo Martins (aluno, colaborador, académico especialista e que também faz parte da estrutura do Atelier). O Atelier tornar-se-á em Fundação no futuro.

 

Cadeira e Mesa Quadratura, CCB 1990

O reconhecimento nacional e internacional não se fez esperar. O mundo museológico integra originais de Daciano (em cedência ou doação) como o MUDE – Museu do Design e da Moda – Colecção Francisco Capelo em 2010 (Lisboa), o Centre Georges Pompidou em 2015 (Paris) e o MOMA – The Museum of Modern Art, processo a decorrer de momento, (Nova Iorque). Em 2021 a multinacional brasileira ETEL começa a comercializar Daciano da Costa, num claro reconhecimento e afirmação da posição do designer português em paralelo com os seus pares internacionais como Oscar Niemeyer, projectando-o para a esfera planetária. A primeira iniciativa, com cobertura desde a China aos EUA, deu-se durante o Salone de Milano em Setembro de 2021 através da exposição “Prisma: Colori” na Etel Milano, na qual Daciano da Costa foi estrela. A par do catálogo da exposição retrospectiva, a verdadeira bíblia sobre Daciano da Costa, está o site dacianodacosta.pt no qual é compilada, de forma exemplar, toda a informação biográfica e profissional do designer, todas as suas criações e, por fim, todas as linhas e objectos reeditados disponíveis para venda.

O sonho de Inês Cottinelli é que a obra do pai esteja cada vez mais presente nas casas portuguesas e nas dos seus admiradores internacionais, que os profissionais da área possam, cada vez mais, trabalhar esta base de obras para os seus projectos e que o Atelier seja uma porta aberta a todos, acessível a todos, tal como Daciano da Costa concebia que as criações do Design deveriam ser.

 

 

Reitoria da Universidade de Lisboa – 1960

Desenho Cadeira Palace Hotel Madeira Palácio – 1970

Desenho ReitoriaUL salão do reitor 1960

Daciano da Costa no jardim do seu Atelier em Sta Catarina

 

http://www.dacianodacosta.pt

Instagram: @atelierdacianodacosta

 

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